segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Discurso da Profª Ingrid Costa - 1º Aniversário do Grupo Afoxé

A profª Ingrid Costa foi homenageada neste dia (2013) pelo Grupo Afoxé, como madrinha convidada, em seu primeiro ano de existência. 
Em seu discurso, disse:



Não há como me silenciar neste momento e ter falsa modéstia em dizer que não me sinto feliz por essa homenagem. Sinto-me profundamente feliz com esse reconhecimento, porque não sou eu a Ingrid, a importante, mas sim o que represento que é importante.
Hoje encontro aqui pessoas que foram de fundamental importância na minha trajetória profissional e de luta. Não sou militante, brinco às vezes em dizer que não faço parte de nenhum partido porque não sou partida, sou inteira; não defendo a, b ou c, mas defendo o respeito pelo outro, pela vida, pela alegria de se viver e de se viver bem, isso é universal.
Por meu caminho, encontrei pessoas fantásticas, que acreditaram em meus sonhos, minhas idéias, minhas loucuras. Algumas vieram aqui hoje e quero destacá-las. Uma delas é a Profª Eliane que agora é minha colega de trabalho, talvez ela não saiba a importância que teve em minha vida profissional quando ela abriu as portas da escola Rui Poester há mais ou menos 20 anos atrás para essa que era ainda estudante de pedagogia, já falava em cultura afro, cheia de idéias aparentemente malucas e me permitiu dividir alguns dos meus sonhos com seus professores e alunos, fiz o pessoal dançar, cantar, celebrar a vida numa perspectiva afro-brasileira. Um ato aparentemente insignificante para ela, talvez, mas que me oportunizou ter coragem e seguir em frente. Outra pessoa que vejo aqui, é a Profª Lúcia Fazio, pessoa que admiro profundamente, pelo seu profissionalismo, experiência, sabedoria e liderança. Com o seu olhar apurado, me propôs um espaço para trabalhar com os professores da rede estadual com tema afro quando Chefe do Pedagógico na 18ª CRE, eu tinha um certo medo de chegar perto dela, afinal uma pessoa poderosa, os subalternos acabam por se constranger, é inevitável. Enfim, alguns anos se passaram e essa mulher visionária enxergou em mim um potencial e por esse olhar hoje continuo na Secretaria de Educação desenvolvendo um trabalho muito importante para a nossa sociedade sobre as etnias. E outra pessoa que não poderia deixar de falar, até porque é uma pessoa que trabalha nos bastidores e detesta ser mencionado, mas não sei quando terei novamente esse prazer e chance de declarar isso na sua presença e diante de todos, essa pessoa é meu esposo. Em toda a nossa jornada de vida pessoal e profissional, passamos por muitos momentos difíceis, mas ele, esse presente que Deus me deu, jamais saiu do meu lado e jamais deixou de me apoiar, apoiar minhas loucuras de projetos e mais projetos, idéias estranhas, mas sempre acreditou que eu era capaz. Sempre me apoiou, sempre acreditou que era possível e junto comigo, mesmo nos bastidores me acompanhou. Quantas vezes deve ter pensado... Essa minha mulher é muito maluquinha... Mas sempre teve a sensibilidade em entender que se eu não sonhasse e realizasse meus sonhos eu morreria. Por isso, eu o agradeço.
Por que digo todas essas palavras? Porque não realizamos as coisas sozinhos. Essas pessoas que citei, representam muitas outras que também foram muito importantes, mas que não há tempo hábil para mencionar todas. Essas pessoas representam os nossos professores, nossos colegas de trabalho, nossos amigos, nossos familiares. Assim como tiveram e ainda têm um papel muito importante na minha vida, fosse no passado, no presente e ainda no futuro, hoje não estaria aqui com o trabalho que desenvolvo sem essas pessoas que acreditaram em mim em algum momento.
Moisés, um personagem bíblico, era um adotivo de uma terra, de uma cultura, de uma vida. Quando descobriu suas origens, se viu angustiado em fazer valer os direitos do seu povo. Lutou pela libertação da escravidão, se empenhou em tirá-los dessa terra que não o reconhecia. Sinto-me numa luta semelhante, aonde me foi negado o meu legado, tal inquietude que há dentro de mim, onde recebi todas as instruções de minha terra adotiva, mas que preciso reconhecer as minhas origens. Hoje, nossos jovens tem a oportunidade através do grupo Afoxé de fazer essa travessia pelo deserto em busca da sua casa mãe, assim como fez Moisés. Às vezes no vemos sem saída, em frente ao Mar Vermelho, mas eu sempre acredito que é possível as águas se abrirem e eu atravessar o mar. Jovens do Afoxé e todos os presentes aqui, precisamos reconhecer e trabalhar para que a história do negro seja reverenciada nesse país, porque não é mais possível viver debaixo da intolerância, do preconceito, da discriminação. Precisamos avançar!
Nós educadores, pais, mães, profissionais da educação, aqueles que possuem responsabilidades em cuidar do outro temos um papel muito importante sim, porque nós poderemos ajudar os nossos jovens a avançarem ou se nada fizermos, a se perderem pelo caminho. Os exemplos que dei foram fundamentais para eu continuar e por isso, iniciei a minha fala dizendo que o que represento é importante, represento a mulher negra, lutando pelo seu espaço, pelo respeito, pelo reconhecimento. Represento grupos que não tem voz e nem tem vez. Represento jovens e crianças negras que são discriminadas nas escolas, nas ruas, nas lojas e que precisam acreditar que não é em vão lutar pelos seus direitos, por serem pessoas, por serem cidadãos, por existirem. Represento todos aqueles que se sentem colocados de lado por sua deficiência física ou intelectual, por serem homossexuais, por escolherem crenças diferentes da dominante, por serem simplesmente diferentes do padrão estabelecido.
Jovens do Afoxé, a honra é minha ser escolhida por vocês. Um dos meus sonhos está sendo realizado nesse momento, porque luto por uma sociedade democrática, onde todos nós temos o direito de professar a fé que escolhermos, sermos valorizados por nossas escolhas profissionais e estilo de vida. Eu sonho com um mundo melhor para vocês e trabalho para isso, para que quando eu não mais estiver aqui, vocês tenham os espaços de vocês garantidos.
A honra é minha em poder fazer parte de um trabalho tão rico aonde tenho mais aprendido que ensinado, onde os idealizadores (Marcelinhu e Luiza) acreditaram em seus sonhos, assim como eu acreditei nos meus e foram em frente. Eles dizem que eu sou importante para o Afoxé comemorar seu primeiro aniversário hoje, mas eu sou como a Profª Eliane, a Profª Lucia Fazio, meu esposo e outros que passaram por minha vida me incentivando, eu sou uma incentivadora, uma sonhadora e também realizadora. Esse é o desafio! Nunca deixem de acreditar! Nem deixem que riam dos seus sonhos, trabalhem e estudem bastante para conquistar o que é seu por direito.
Grupo Afoxé, meus afilhados, tenham uma Ingrid dentro de vocês, destemida, com vontade de fazer, fervorosa, que acredita na revolução através da educação. Vão à luta, não tenham medo de perder, de errar! Acreditem sempre que é possível, porque hoje estou vendo através de vocês que o trabalho não é em vão, não é perdido. 

Muito obrigada!

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